quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Café - LE PROCOPE E A BEBIDA DA RAZÃO



Por Cristiana Menichelli



Reduto de pensadores, filósofos, cientistas e poetas, os primeiros cafés da história eram
frequentados apenas pelos homens. Desde seu surgimento nas ruas de Meca, nas primeiras décadas de 1500, esses estabelecimentos de natureza popular e atmosfera alegre convidavam à integração social, favorecendo debates e a troca de idéias entre seus habitués. Alcançaram a Europa no século XVII, reforçando a idéia de sobriedade e clareza propiciadas pelo consumo da restauradora bebida. Os cafés europeus contrastavam com o ambiente escuro das tavernas, onde o consumo de vinho e cerveja conduzia inevitavelmente à embriaguez e muitas vezes à desordem. Como na versão árabe, as casas abertas inicialmente em Londres logo se transformaram em ponto de encontro de homens. Muitos se sentiam à vontade, inclusive para usar o espaço como local de trabalho, e não demorou para que esses estabelecimentos servissem como escritório de negócios. Entre um gole e outro do escuro elixir, servido muito quente, os clientes fechavam contratos e ficavam sabendo das últimas notícias e mexericos envolvendo a vida pública e privada da cidade e muitas vezes até do rei.

Apesar dos vários protestos, especialmente por parte das mulheres, gerados pela novidade e tentativas de bani-las, o café e o hábito de bebê-lo fora de casa, em locais específicos, tornaram-se parte da realidade européia. Os precursores das cafeterias modernas e dos cibercafés rapidamente proliferaram pelas principais capitais. Só em Paris havia cerca de 600 por volta de 1750. Entre eles, um em particular avançou os séculos e preserva um passado que reforça a reputação de ser o primeiro café da capital francesa. Fundado em 1686 pelo siciliano Francesco Procopio dei Coltelli, notabilizou-se por abrir as portas ao público feminino e servir pela primeira vez sorvete, ao lado de outras bebidas da moda como chá e chocolate. Chamava-se Le Procope. Além dos artistas que costumavam se encontrar no estabelecimento, instalado bem em frente ao teatro da antiga companhia francesa de comédia, acolheu também uma clientela formada por célebres escritores da época.

Piron, Destouches, d'Alembert, Voltaire, Crébillon, Victor-Hugo, Rousseau, Diderot e uma multitude de autores usavam o Le Procope como uma prolífica sucursal da academia literária francesa e ainda como base para discussões de idéias iluministas e revolucionárias. O escritor, filósofo, cientista e político americano Benjamin Franklin, uma das principais figuras da independência de seu país, era outra presença corriqueira, junto com o geógrafo e explorador alemão Alexander von Humboldt. Ao longo de mais de 300 anos, a casa aberta por Procopio testemunhou diferentes momentos históricos, relembrados em fotografias de seus ilustres freqüentadores. Transformado mais tarde em restaurante e funcionando até hoje no mesmo endereço, no número 13 da Rue de l'Ancienne-Comedie, o venerando estabelecimento é uma prova viva de como o café seduziu a Europa e conquistou o status de bebida da razão.

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