sábado, 19 de abril de 2014

DIALOGANDO COM QUEM SABE...



Se alguém me perguntar: Quem é seu melhor amigo? Vou dizer em alto e bom som: Eu mesmo! Sou o meu melhor amigo. Por mais que eu tenha companheiros confiáveis, nenhum deles, certamente, sabe muito sobre a minha vida. Alguns acham que sabem, outros pensam que sabem e outros tantos, sabem que não sabem, mas querem saber... EU também quero saber muitas coisas, de muita gente... Dos filósofos, dos poetas, dos deuses, dos orixás, dos ateus e dos homens simples...

Os antigos filósofos gregos, cujo legado até hoje é incontestável nos âmbitos das ciências humanas e das exatas, deveriam falar uma linguagem simples, sem artifícios e sem afetação; delicada, concisa e brusca... Expressar, seja escrevendo, seja falando, sempre foram questões presentes desde sempre para a humanidade. Muitos sábios se detiveram nesse tema; quase todos condenaram a verborragia, a eloqüência desmedida e a suntuosidade verbal. Mas “gosto” tem o aspecto da individualidade e da particularidade. Não se discute.   


 Neste meu solilóquio, quero verbalizar com alguns Filósofos; tentar interagir nos pensamentos dos mais notáveis gregos e aos moldes de São Thomaz de Aquino, harmonizar os reinos separados da fé, sem, contudo, mascarar a verdade... Quero viajar pelo cosmo, mesmo que ciberneticamente...

Aristoteles, discípulo de Platão e mestre de Alexandre o Grande, um dia disse: “A principal qualidade do estilo é a clareza e o verdadeiro sábio procura a ausência da dor, e não do prazer”. Valho-me, então, dessa clareza, apartado da dor e com muito prazer, para perguntar ao Filósofo: Como pôde afirmar que a escravidão faz parte da própria natureza, de modo que o escravo nasce para ser escravo e é na sua função de escravo que ele realiza finalidade para a qual existe? E que a natureza em vista da conservação, criou alguns seres para mandar e outros para obedecer? E com a mesma impiedade, acusa as mulheres ao dizer que elas eram totalmente incapazes de serem amigas, e que as esposas não podiam se relacionar com os maridos em nível de igualdade? Não deveria o Filósofo pregar a “filoginia” (igualdade intelectual do homem e da mulher), ao invés de “misoginia” (Desprezo às mulheres)? Ainda bem que parte da sua obra foi perdida...

Com o francês, René Descartes, queria muito aprender seus métodos matemáticos de conhecimento. Entretanto, a sua afirmação que só se deve considerar algo como verdadeiramente existente e duvidar de todos os conhecimentos que não possuem explicações evidentes, cabem-me a pergunta: O Senhor tomou a decisão de fingir que todas as coisas que até então haviam entrado na sua mente não eram mais verdadeiras do que as ilusões dos seus sonhos. Deus existe, ou é também é um sonho?  Devemos confiar na sua existência, mesmo sem nunca termos visto? O seu método cartesiano consiste no ceticismo metodológico; e como distinguir o mito do verdadeiro nas questões deísta, já que não podemos provar a existência de Deus? É possível conviver em harmonia apartado da fé?  A fé é, sem dúvida, a aceitação imediata de um fato não comprovado, mesmo que naveguemos pelo princípio da incerteza. Acreditar em Deus, não é melhor que acreditar no Filósofo Descartes? Mesmo sem conhecer, eu prefiro Deus...

A Diógenes, certamente eu lhe diria: de todas as suas anedotas, fazer da pobreza extrema uma virtude e não ser nem ateniense nem grego, mas sim um cidadão do mundo, me faz seu fã incondicional... Todo cidadão deve considerar-se cidadão do cosmo... Ficaria, certamente, eqüidistante, para que eu não lhe fizesse sombra, impedindo-lhe de ver o Sol, tal qual fez Alexandre; contudo, lhe acompanharia pelas ruas, com a sua lanterna acesa, à procura de um homem que fosse honesto e feliz...

Estando com Blaise Pascal, eu agradecer-lhe-ia pela criação da calculadora e pedir-lhe-ia explicações mais amiúde da sua teoria das probabilidades, pois vivemos, hoje, no mundo onde a verossimilhança nem sempre é aceita... Por isso, lhe assiste razão, pois, em afirmar que “o silencio mais vale que a fala”... Diria, ainda: Quão feliz foste ao dizer que o prazer dos grandes homens consiste em poder tornar os outros felizes. Isso é tudo.

Pitagora, que me adjutorou no curso de Direito. Ah! Como eu gostaria de ter estudado na sua Escola de pensamento, sentar na primeira fila e perguntar-lhe: Mestre o que é Justiça?..

Por fim, conhecer Platão era o ápice. A sua sofisticação como escritor é sem precedente; é singular; é impar em todos os seus diálogos, sobretudo quando discorre sobre a realidade do homem, com a teoria das ideias, afirmando que a inteligência e a sensibilidade são inerente a natureza humana...

O meu falar sozinho com os grandes vultos fôra deveras extenso. Falei com Hengel, Hobes, Kant e Johon Loche e Jacques Rousseau. Todos fizeram silêncio de oração para me ouvir confabular com Sócrates, já que tudo em sua vida é envolvida por mistérios. Desprovido de vaidade, nunca proclamou ser sábio; disse-me que a sua sabedoria era limitada a sua própria ignorância. Afirmou “saber que nada sabe” e incentivou-me a conhecer meus conhecimentos dizendo-me: "Conhece-te a ti mesmo, Manoel Lobo". Mas eu queria mesmo era conhecer o homem que enfureceu a democracia ateniense com seus questionamentos e métodos. Até Paulo o apostolo escreveu algo similar: “E, se alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber” (1Co.8:2). Depois disso, quem pode bater no peito e dizer que sabe qualquer coisa?
Deixei os Filósofos e fui para a acrópole de Atenas, no alto do Parthenon, confabular com os Gregos Deuses:

Hermes, guardião dos oradores e escritores, juntou-se a Apolo, que como patrono da música e da medicina, versou a meu respeito com conhecimento tão catedrático, que me fez adormecer... Até Poseidon, tido como um deus traiçoeiro recebeu das mãos de Dionísio, uma taça de vinho para brindar a minhas ousadas indagações, que deixou Afrodite embriagada de amor. E, quando menos eu esperava, uma bola dos Céus descia iluminando toda a acrópole para anunciar a chegada de ZEUS, o principal governante do Olimpo, Rei dos deuses que bradava: “Manoel Lobo” também é Deus, vindo da antiga Cidade de Ifé, ao sudoeste da Nigéria! Dar-lhe-ei todas as honras merecidas e farei com que o mundo conheça o seu relicário de ousadias... 

Até aqui, tudo foi por mim registrado com galhardia. Contudo, ainda, não posso epilogar o meu escrito, sem antes, porém, discorrer sobre o panteísmo do Candomblé e dialogar, também, com os Orixás. Não me assiste razão, pois, desconhecer a magia dos povos Nagôs, Ketu, Bantu, Angola e do Congo. Meus ancestrais...

Estou, agora, sentado no centro da Mandala, ouvindo a liturgia dos “Babalorixás” e “Yalorixás” sobre as forças da Natureza e a epopéia da sua cultura, esbulhada pelos Faraós da Casa Grande, que ainda mantém suas senzalas...

O primeiro a usar o púlpito foi o Orixá Ogum, deus da guerra e dos caminhos, cujo sincretismo é Santo Antonio; Santo que inspirou o nome do meu genitor. - Com a sua “obé” empunhada, dançando no compasso do atabaque para saudar-me com uma saudação de paz franciscana e dizer-me que todas as terças feiras “Ele” é comigo e levar-me-á a perspicácia de versar o amor.

Depois é a vez de Xangô, Senhor da Justiça, com o seu machado de dois gumes empunhado, que sabendo da minha dúvida e curiosidade, de pronto respondeu: Manoel Lobo, a Justiça é, antes de tudo, uma característica possível, porém não necessária, de uma ordem social...
Seguido por Erê, o deus protetor das crianças, que no sincretismo é também conhecido por Cosme & Damião, trajando-se na cor verde e dourado, tendo-o nas mãos, palma de Santa Rita, pronto para felicitar-me pela dedicação as crianças e ungir a minha cabeça com ungüento santo. Oportunidade em que lhe questionei sobre o padecer das nossas criaturinhas, que não bastasse nascerem pobres, por serem negras, são abandonadas à própria sorte por determinação dos Faraós...

Na seqüência, conheci os Orixás Oxum, Nanã, Iansã e Oxossi. Deuses que dominam as águas doces, as matas, a fertilidade, a riqueza, os ventos, as tempestades, as paixões e aventuras, a vida e a morte. Conheci, também, Omolú, o deus protetor dos leprosos, que atende também por São Lázaro. Ele repetiu para mim, as palavras do Cristo Senhor: Manoel Lobo, “deixe que os mortos enterrem seus mortos”, fazendo uma patente alusão ao caráter necrosado dos Faraós dos nossos tempos. Na oportunidade, pediu-me para usar a caridade e piedade como um bálsamo para os que padecem...

A esta altura, a minha voz entrecortada não mais ecoava uma frase inteira. Tomado de êxtase, aos poucos me refiz para receber a protetora dos Lares, Mãe de todos os Orixás, com seu reluzente vestido azul e branco, instrumentado com o seu Abebé (abano de prata), pronta para me explicar tudo do que é composto o Cosmo. - EU estava diante de YEMANJÁ, a Nossa Senhora da Conceição; da concepção; que concebeu o filho de Deus... Então eu disse: Ave Maria! Bendita sois dentre as demais!..

Ela enxugou as minhas lágrimas de emoção e me mandou olhar pra cima e ver quão lindo é a ribalta iluminada para apresentar-me o novo; o eterno; o Pai Celeste chamado Oxalá.  Pai de todos os deuses, criador dos céus e da terra, que me disse, firmemente, em poucas palavras, que Eça de Queirós foi feliz quando afirmou: - "É na natureza que se deve procurar a religião: não é nas hóstias místicas que anda o corpo de Jesus - é nas flores das laranjeiras."

Desta maneira, então, conheci os dignos, falei de tudo com todos e comprovei que a certeza não é a substância ou a essência da experiência humana. A locomotiva da razão carece de fé como combustível de seu motor.

Finalmente, por mais que me deliciasse com os sábios filósofos de outros séculos e deuses de todos os credos, alinho-me com a experiência de um conterrâneo chamado Deusdete. Ele tem maior capacidade de albergar a minha alma... Deusdete, ou simplesmente Dete de Anselmo, como era conhecido na minha Santo Estevão, era um sábio homem com a cara de paz. De paz ele entendia, porque ele entendia de povo e de pobreza. Era um homem simples e bom.

Nós, homens do conhecimento, disse Nietzsche, não nos conhecemos; de nós mesmo somos desconhecidos... O fato é que não há verdade absoluta sobre as coisas. Cada qual vai aprendendo da sua maneira a melhor forma de tocar os seus dias, dizia “seu” Dete, que não teve ninguém pra lhe ensinar e com o mundo, foi aprendendo a ser sábio pra comprovar a máximo: Não existe saber mais ou saber menos; existe apenas saberes diferentes. Ninguém sabe mais ou sabe menos; cada um sabe um pouco. A maior sabedoria mora com gente humilde.

Em toda a minha vida, jamais vi alguém mais educado que Dete de Anselmo.  Tudo que sabia, aprendeu, com o encorajamento, com as coisas que ele queria aprender, quando quis aprender, da forma que soube aprender... Aprendeu e conquistou um caráter humilde para lidar com as relações morais e éticas.

Com sabedoria de homem comum, para ele, na natureza tudo está como deve estar. Ele compreendia as coisas pela simples razão delas existirem; não preocupava em dar provas do seu próprio pensamento. Isso é sabedoria; isso é filosofia; isso é poesia; etc e tal...

Os sábios e os pensadores, acima citados, parecem, portanto menos avançados que “seu” Dete; já que eles próprios não tinham a certeza em relação a si mesmo e do que pretendiam provar... Eles passavam metade da sua vida a analisar, uma a uma, as pequenas coisas, a verificar tudo o que já se sabe; e a outra metade passava colocando os fundamentos de tudo que foi dito, ensimesmados no vazio...
Para aquela gente, gregos e romanos, acreditar nos deuses se resumia a um pressentimento de que um ser bom está no comando. E por intuição tomavam decisões e acreditavam que os deuses protegiam os que lhes buscavam com fé e oferendas... Dete era diferente; nunca se interessou pela questão “deísta”, sobretudo, nos aspectos bíblicos. Ele acreditava em Deus Jesus e nos Orixás. Pouco se importava com a lógica divina da Trindade. “Conhecereis a verdade e ela vos libertará”. - A verdade que ele conhecia, lhe outorgava o “passaporte” para a salvação.

Todo o domingo, desde os tempos do Padre Odulfo, lá se ia “seu” Dete, pra Missa, encontrar o seu Deus, para pedir e agradecer. Sem oferenda, sem sacrifício, ele apenas ajoelhava, rezava um pai nosso e duas ave Maria e voltava pra casa contente e tranqüilo. Todo setembro, fazia o “caruru” de Cosme e Damião e levava a sua oferenda para o seu Orixá. E assim, seu Dete agradava a todos os deuses, sem questionar a suas existências...

Enquanto os sábios viviam solitários, tristes e angustiados, Dete era feliz e tinha muitos amigos; dentre eles, Ademilson Santiago, que não dispensava a sua dileta companhia nas noites românticas de Santo Estevão. Dete tinha um estilo de vida caracterizado pela despreocupação com relação a bens materiais, grandes projetos e as normas convencionais. Tinha um coração boêmio, uma alma poética, inquieto, repleto de sonhos, e uma aura de fluidos sentimentais intensos. Ele não era um gênio, era boêmio românico como os poetas! Um sábio que eu conheci !!!

Por Manoel Lobo.

São Paulo, 28 de março/2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário